Prof. Dr. José Luíz Ratton
Local: Sala Prof. Manoel Correia 3º Andar - CFCH
Data: 06/06/2011
Horário: 18:50 - 20:30
Leitura Indicada:
CERQUEIRA, Daniel; LOBÃO, Waldir. Determinantes da Criminalidade: Arcabouços Teóricos e Resultados Empíricos
Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Ciências Sociais
Curso de Graduação em Ciências Sociais
1º Semestre de 2011 - Profª Rosane Alencar
2º Semestre de 2011 - Profª Eliane da Fonte
2º Semestre de 2012 - Profª Eliane da Fonte
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Ciências Sociais
Curso de Graduação em Ciências Sociais
1º Semestre de 2011 - Profª Rosane Alencar
2º Semestre de 2011 - Profª Eliane da Fonte
2º Semestre de 2012 - Profª Eliane da Fonte
segunda-feira, 30 de maio de 2011
domingo, 29 de maio de 2011
Desinformação e desrespeito na mídia brasileira
Por alguma razão escondida dentro de cada um de nós que escrevemos esse texto tivemos como escolha profissional o ensino de língua (materna ou estrangeira). Por algum motivo desconhecido, resolvemos abraçar uma das profissões mais mal pagas do nosso país. Não quisemos nos tornar médicos, advogados ou jornalistas. Quisemos virar professores. E para fazê-lo, tivemos que estudar.
Estudar, para alguém que quer ensinar, tem uma dimensão profunda. Foi estudando que abandonamos muitas visões simplistas do mundo e muito dos nossos preconceitos.
Durante anos debatemos a condição da educação no Brasil; cotidianamente aprofundamo-nos sobre a realidade do país e sobre uma das expressões culturais mais íntimas de seus habitantes: a sua língua. Em várias dessas discussões utilizamos reportagens, notícias, ou fatos trazidos pelos jornais.
Crescemos ouvindo que jovem não lê jornal e que a cada dia o brasileiro lê menos. A julgar por nosso cotidiano, isso não é verdade. Tanto é que muitos de nós, já indignados com o tratamento dado pelo Jornal Nacional à questão do material Por uma vida melhor, perdemos o domingo ao, pela manhã, lermos as palavras de um dos mais respeitados jornalistas do país criticando, na Folha de S. Paulo, a valorização dada pelo material ao ensino das diferentes possibilidades do falar brasileiro. E ficamos ainda mais indignados durante a semana com tantas reportagens e artigos de opinião cheios de ideias equivocadas, ofensivas, violentas e irresponsáveis. Lemos textos assim também no Estado de São Paulo e nas revistas semanais Veja e IstoÉ.
Vimos o Jornal Nacional colocar uma das autoras do material em posição humilhante de ter que se justificar por ter conseguido fazer uma transposição didática de um assunto já debatido há tempos pelos grandes nomes da Linguística do país – nossos mestres, aliás. O jornalista Clovis Rossi afirmou que a língua que ele julga correta é uma “evolução para que as pessoas pudessem se comunicar de uma maneira que umas entendam perfeitamente as outras” e que os professores têm o baixo salário justificado por “preguiça de ensinar”. Uma semana depois, vimos Amauri Segalla e Bruna Cavalcanti narrarem um drama em que um aluno teria aprendido uma construção errada de sua língua, e afirmarem que o material “vai condenar esses jovens a uma escuridão cultural sem precedentes“. Também esses dois últimos jornalistas tentam negar a voz
contrária aos seus julgamentos, dizendo que pouquíssimos foram os que se manifestaram, e que as ideias expressas no material podem ter sucesso somente entre alguns professores “mais moderninhos”. Já no Estado de São Paulo vimos um economista fazendo represálias brutas a esse material didático. Acreditamos que o senhor Sardenberg entenda muito sobre jornalismo e economia, porém fica nítida a fragilidade de suas concepções sobre ensino da língua. A mesma desinformação e irresponsabilidade revelou o cineasta Arnaldo Jabor, em seu violento comentário na rádio CBN.
Ficamos todos perplexos pela falta de informação desses jornalistas, pela inversão de realidade a que procederam, e, sobretudo, pelo preconceito que despejaram sem pudor sobre seus espectadores, ouvintes e leitores, alimentando uma visão reduzida ao senso comum equivocado quanto ao ensino da língua. A versão trazida pelos jornais sobre a defesa do “erro” em livros didáticos, e mais especificamente no livro Por uma vida melhor, é uma ofensa a todo trabalho desenvolvido pelos linguistas e educadores de nosso país no que diz respeito ao ensino de Língua Portuguesa.
A pergunta inquietante que tivemos foi: será que esses jornalistas ao menos se deram o trabalho de ler ou meramente consultar o referido livro didático antes de tornar públicas tão caluniosas opiniões? Sabemos que não. Pois, se o tivessem feito, veriam que tal livro de forma alguma defende o ato de falar “errado”, mas sim busca desmistificar a noção de erro, substituindo-a pela de adequação/inadequação. Isso porque, a Linguística, bem como qualquer outra ciência humana, não pode admitir a superioridade de uma expressão cultural sobre outra. Ao dizer que a população com baixo grau de escolaridade fala “errado”, o que está-se dizendo é que a expressão cultural da maior parte da população brasileira é errada, ou inferior à das classes dominantes. Isso não pode ser concebido, nem publicado deliberadamente como foi nos meios de comunicação. É esse ensinamento básico que o material propõe, didaticamente, aos alunos que participam da Educação de Jovens e Adultos. Mais apropriado, impossível. Paulo Freire ficaria orgulhoso. Os jornalistas, porém, condenam.
Sabemos que os veículos de comunicação possuem uma influência poderosa sobre a visão de mundo das pessoas, atuam como formadores de opinião, por isso consideramos um retrocesso estigmatizar certos usos da língua e, com isso, o trabalho de profissionais que, todos os dias, estão em sala de aula tentando ir além do que a mera repetição dos exercícios gramaticais mecânicos, chamando atenção para o caráter multifacetado e plural do português brasileiro e sua relação intrínseca com os mais diversos contextos sociais.
A preocupação dos senhores jornalistas, porém, ainda é comum. Na base de suas críticas aparecem, sobretudo, o medo da escola não cumprir com seu papel de ensinar a norma culta aos falantes. Entretanto, se tivessem lido o referido material, esse medo teria facilmente se esvaído. Como todo linguista contemporâneo, os autores deixam claro, na página 12, que “Como a linguagem possibilita acesso a muitas situações sociais, a escola deve se preocupar em apresentar a norma culta aos estudantes, para que eles tenham mais uma variedade à sua disposição, a fim de empregá-la quando for necessário“. Dessa forma, sem deixar de valorizar a norma escrita culta – necessária para atuar nas esferas profissional e cultural, e logo, determinante para a ascensão econômica e social de seus usuários, embora não suficiente – o material consegue promover o debate sobre a diversidade linguística brasileira. Esse feito, do ponto de vista de todos que produzimos e utilizamos materiais didáticos, é fundamental.
Sobre os conteúdos errôneos que foram publicados pelos jornais e revistas, foi possível ver que, após uma semana, as respostas dadas pelos educadores, estudiosos da linguagem e, sobretudo, da variação linguística, já foram bastante elucidativas para informar esses profissionais do jornalismo. Infelizmente alguns jornalistas não os leram. Mas ainda dá tempo de aprender com esses textos. Leiam as respostas de linguistas tais como Luis Carlos Cagliari, Marcos Bagno, Carlos Alberto Faraco, Sírio Possenti, e de educadores tais como Maria Alice Setubal e Maurício Ernica, entre outros, publicadas em diversas fontes, como elucidativas e representativas do que temos a dizer. Aliás, muito nos orgulha a paciência desses autores – foram verdadeiras aulas para alunos que parecem ter que começar do zero. Admirável foram essas respostas calmas, respeitosas e informativas, verdadeiras lições de Linguística, de Educação – e de atitude cidadã, diga-se de passagem – para “formadores de opinião” que, sem o domínio do assunto, resolveram palpitar, julgar e até incriminar práticas e as ideias solidamente construídas em pesquisas científicas sobre a língua ao longo de toda a vida acadêmica de vários intelectuais brasileiros respeitados, ideias essas que começam, aos poucos, a chegar à realidade das escolas.
Ao final de anos de luta para podermos virar professores, ao invés de vermos nossos pensadores, acadêmicos, e professores valorizados, vimos a humilhação violenta que eles sofreram. Vimos, com isso, a humilhação que a academia e que os estudos sérios e profundos podem sofrer pela mídia desavisada (ou maldosa). O poder da mídia foi assustador. Para os alunos mais dispersos, algumas concepções que levaram anos para serem construídas foram quebradas em instantes. Felizmente, esses são poucos. Para grande parte de nossos colegas estudantes de Letras o que aconteceu foi um descontentamento geral e uma descrença coletiva nos meios de comunicação.
A descrença na profissão de professor, que era a mais provável de ocorrer após tamanha violência e irresponsabilidade da mídia, essa não aconteceu – somente por conta daquele nosso motivo interno ao qual nos referimos antes. Nossa crença de que a educação é a solução de muitos problemas – como esse, por exemplo – e que é uma das profissões mais satisfatórias do mundo continua firme. Sabemos que vamos receber baixos salários, que nossa rotina será mais complicada do que a de muitos outros profissionais, e de todas as outras dificuldades que todos sabem que um professor enfrenta. O que não sabíamos é que não tínhamos o apoio da mídia, e que, pior que isso, ela se voltaria contra nós, dizendo que o baixo salário está justificado, e que não podemos reclamar porque não cumprimos nosso dever direito.
Gostaríamos de deixar claro que não, ensinar gramática tradicional não é difícil. Não temos preguiça disso. Facilmente podemos ler a respeito da questão da colocação pronominal, passar na lousa como os pronomes devem ser usados e dizer para o aluno que está errado dizer “me dá uma borracha”. Isso é muito simples de fazer. Tão simples que os senhores jornalistas, que não são professores, já corrigiram o material Por uma vida melhor sobre a questão do plural dos substantivos. Não precisa ser professor para fazer isso. Dizer o que está errado, aliás, é o que muitos fazem de melhor.
Difícil, sabemos, é ter professores formados para conseguir promover, simultaneamente, o debate e o ensino do uso dos diversos recursos linguísticos e expressivos do português brasileiro que sejam adequados às diferentes situações de comunicação e próprios dos inúmeros gêneros do discurso orais e escritos que utilizamos. Esse professor deve ter muito conhecimento sobre a linguagem e sobre a língua, nas suas dimensões linguísticas, textuais e discursivas, sobre o povo que a usa, sobre as diferentes regiões do nosso país, e sobre as relações intrínsecas entre linguagem e cultura.
Esse professor deve ter a cabeça aberta o suficiente para saber que nenhuma forma de usar a língua é “superior” a outra, mas que há situações que exigem uma aproximação maior da norma culta e outras em que isso não é necessário; que o “correto” não é falar apenas como paulistas e cariocas, usando o globês; que nenhum aluno pode sair da escola achando que fala “melhor” que outro, mas sim ciente da necessidade de escolher a forma mais adequada de usar a língua conforme exige a situação e, é claro, com o domínio da norma culta para as ocasiões em que ela é requerida. Esse professor tem que ter noções sobre identidade e alteridade, tem que valorizar o outro, a diferença, e respeitar o que conhece e o que não conhece.
Também esse professor tem que ter muito orgulho de ser brasileiro: é ele que vai dizer ao garoto, ao ensinar o uso adequado da língua nas situações formais e públicas de comunicação, que não é porque a mãe desse garoto não usa esse tipo de variedade lingüística, a norma culta, não conjuga os verbos, nem usa o plural de acordo com uma gramática pautada no português europeu, que ela é ignorante ou não sabe pensar. Ele vai dizer ao garoto que ele não precisa se envergonhar de sua mãe só porque aprendeu outras formas de usar o português na escola, e ela não. Ele vai ensinar o garoto a valorizar os falares regionais, e ser orgulhoso de sua família, de sua cultura, de sua região de origem, de seu país e das diferenças que existem dentro dele e, ao mesmo tempo, a ampliar, pelo domínio da norma culta, as suas possibilidades de participação na sociedade e na cultura letrada. O Brasil precisa justamente desse professor que esses jornalistas tanto incriminaram.
Formar um professor com esse potencial é o que fazem muitos dos intelectuais que foram ofendidos. Para eles, pedimos que esses jornalistas se desculpem. E os agradeçam. E, sobretudo, antes de os julgarem novamente, leiam suas publicações. Ironicamente, pedimos para a mídia se informar.
Nós somos a primeira turma a entrar no mercado de trabalho após esse triste ocorrido da imprensa. Somos muito conscientes da luta que temos pela frente e das possibilidades de mudança que nosso trabalho promove. Para isso, estudamos e trabalhamos duro durante anos. A nós, pedimos também que se desculpem. E esperamos que um dia possam nos agradecer.
Reafirmamos a necessidade de os veículos de comunicação respeitarem os nossos objetos de estudo e trabalho — a linguagem e o língua portuguesa usada no Brasil —, pois muitos estudantes e profissionais de outras áreas podem não perceber tamanha desinformação e manipulação irresponsável de informação, e podem vir a reproduzir tais concepções simplistas e equivocadas sobre a realidade da língua em uso, fomentando com isso preconceitos difíceis de serem extintos.
Sabemos que sozinhos os professores não mudam o mundo. Como disse a Professora Amanda Gurgel, em audiência pública no Rio Grande do Norte, não podemos salvar o país apenas com um giz e uma lousa. Precisamos de ajuda. Uma das maiores ajudas com as quais contamos é a dos jornalistas. Pedimos que procurem conhecer as teorias atuais da Educação, do ensino de língua portuguesa e da prática que vem sendo proposta cotidianamente no Brasil. Pedimos que leiam muito, informem-se. Visitem escolas públicas e particulares antes de se proporem a emitir opinião sobre o que deve ser feito lá. Promovam acima de tudo o debate de ideias e não procedam à condenação sumária de autores e obras que mal leram. Critiquem as assessorias internacionais que são contratadas reiteradamente. Incentivem o profissional da educação. E nunca mais tratem os professores como trataram dessa vez. O poder de vocês é muito grande – a responsabilidade para usá-lo deve ser também.
Alecsandro Diniz Garcia, Ana Amália Alves da Silva, Ana Lúcia Ferreira Alves, Anderson Mizael, Jeferson Cipriano de Araújo, Laerte Centini Neto, Larissa Arrais, Larissa C. Martins, Laura Baggio, Lívia Oyagi, Lucas Grosso, Maria Laura Gándara Junqueira Parreira, Maria Vitória Paula Munhoz, Nathalia Melati, Nayara Moreira Santos, Sabrina Alvarenga de Souza e Yuki Agari Jorgensen Ramos – formandos 2011 em Letras da PUC-SP, futuros professores de Língua Portuguesa e Língua Inglesa.
sexta-feira, 27 de maio de 2011
Um exemplo da discussão sobre a colonização do saber exposta por Paulo Henrique
Sírio Possenti - O Estado de S.Paulo
Cesse tudo o que a musa antiga canta
que outro valor mais alto se alevanta (...)
dai-me uma fúria grande e sonorosa
e não de agreste avena ou frauta ruda
mas de tuba canora e belicosa
(Os Lusíadas, canto I)
O jornalismo nativo teve uma semana infeliz. Ilustres colunistas e afamados comentaristas bateram duro em um livro, com base na leitura de uma das páginas de um dos capítulos. Houve casos em que nem entrevistado nem entrevistador conheciam o teor da página, mas apenas uma nota que estava circulando (meninos, eu ouvi).
Nem por isso se abstiveram de "analisar".
Só um exemplo, um conselho e uma advertência foram considerados.
E dos retalhos se fez uma leitura enviesada.
Se fossem submetidos ao PISA, a classificação do país seria pior do que a que tem sido.
Disseram que o MEC distribuiu um livro que ensina a falar errado; que defende o erro; que alimenta o preconceito contra os que falam certo.
Mas o que diz o capítulo?
a) que há diferenças entre língua falada e escrita. É só um fato óbvio. Quem não acredita pode ouvir os próprios críticos do livro em suas intervenções, que estão nos sites (não é uma crítica: eles abonaram a constatação do livro);
b) que cada variedade da língua segue regras diferentes das de outra variedade. O que também é óbvio. Qualquer um pode perceber que os livro, as casa, as garrafa seguem uma regra, um padrão. São regulares: plural marcado só no primeiro elemento. Consta-se ouvindo ou olhando, como se constata que tucanos têm bico desproporcional. Ninguém diz que está errado; todos os tucanos têm bico igual, é seu bico regular, seu bico "certo";
c) que há diferenças entre língua falada e escrita, que não se restringem à gramática, mas atingem a organização do texto (um teste é gravar sua fala, e transcrever; quem pensa que fala como escreve leva sustos);
d) que na fala e na escrita há níveis diferentes: não se escreve nem se fala da mesma maneira com amigos e com autoridades (William Bonner acaba de dizer "vamo lá sortiá a próxima cidade". Houve outros dados notáveis nos estúdios: "onde fica as leis da concordância?" e "a língua é onde nos une"...);
e) deve-se aprender as formas cultas da língua: todo o capítulo insiste na tese (é bem conservador!) e todos os exercícios pedem a conversão de formas faladas ou informais em formas escritas e formais.
O que mais se pode querer de um livro didático? Então, por que a celeuma?
Tentarei compreender. Foram três as passagens do texto que causaram a reação. O restante não foi comentado.
Uma questão refere-se ao conceito de regra: quem acha que gramática quer dizer gramática normativa toma o conceito de regra como lei e o de lei como ordem: deve-se falar / escrever assim ou assado; as outras formas são erradas. Mas o conceito de regra / lei, nas ciências (em lingüística, no caso), tem outro sentido: refere-se à regularidade (matéria atrai matéria, verbos novos são da primeira conjugação etc.). Os livro segue uma regra. E uma gramática é conjunto de regras, também descritivas.
Outro problema foi responder "pode" à pergunta se se pode dizer os livro. "Pode" significa possibilidade (pode chover), mas também autorização (pode comer buchada). No livro, "pode" está entre possibilidade e autorização. Foi esta a interpretação que gerou as reações. Além disso, comentaristas leram "pode" como "deve". E disseram que o livro ensina errado, que o errado agora é certo (a tese ganhou a defesa de José Sarney!).
A terceira passagem atacada foi a advertência de que quem diz os livro pode ser vítima de preconceito. Achou-se que não há preconceito linguístico. Mas a celeuma mostra que há, e está vivíssimo. Uma prova foi a associação da variedade popular ao risco do fim da comunicação. Li que o português "correto" é efeito da evolução (pobre Darwin!). Ouvi que a escrita (!) separa os homens dos animais!
Esse discurso quer dizer que "eles" não pensam direito. O curioso é que os comentaristas são todos letrados, falam várias línguas. Mas não se dão conta de que um inglês diz THE BOOKS, e que a falta de um plural não constitui problema; que um francês diz LE LIVR(e), para les livres, e que a falta dos "ss" não impede a veiculação do sentido "mais de um".
Mas pior que a negação do preconceito foi a leitura segundo a qual o livro estimula o preconceito contra os que falam ''certo'', discurso digno de Bolsonaro, embora em outro domínio: foi o nobre deputado que entendeu a defesa dos homossexuais como um ataque aos heterossexuais. Um gênio da hermenêutica!
Mas há um problema ainda mais grave do que todos esses. De fato, ele é sua origem. Eles não defendem a gramática. Nossos "intelectuais" não conhecem gramáticas. Nunca as leram inteiras, incluindo as notas e citações, e considerando as discordâncias entre elas (acham que as adjetivas explicativas "vêm" entre vírgulas!). Eles conhecem manuais do tipo "não erre" (da redação etc.), que são úteis (tenho vários, para usar, mas também para rir um pouco) como ferramentas de trabalho em certos ambientes, em especial para defensores da norma culta que não a dominam.
Mas o suprassumo foi a insinuação de que o livro seria a defesa da fala "errada" de Lula. Ora, este tipo de estudo se faz há pelo menos 250 anos, desde as gramáticas históricas. Alguns acharam que estas posições são de esquerda. Não são! Os "esquerdistas" detestam os estudos variacionistas. Consideram-nos funcionalistas, vale dizer, burgueses. Por que defendê-los, então?
Porque permitem que os estudos de língua cheguem pelo menos à época baconiana (Bacon é o nome do autor do Novum Organon, um cara do século XVI. Não é toucinho defumado).
SÍRIO POSSENTI É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA / INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM DA UNICAMP E AUTOR DE QUESTÕES PARA ANALISTAS DE DISCURSO E A LÍNGUA NA MÍDIA (PARÁBOLA)
Cesse tudo o que a musa antiga canta
que outro valor mais alto se alevanta (...)
dai-me uma fúria grande e sonorosa
e não de agreste avena ou frauta ruda
mas de tuba canora e belicosa
(Os Lusíadas, canto I)
O jornalismo nativo teve uma semana infeliz. Ilustres colunistas e afamados comentaristas bateram duro em um livro, com base na leitura de uma das páginas de um dos capítulos. Houve casos em que nem entrevistado nem entrevistador conheciam o teor da página, mas apenas uma nota que estava circulando (meninos, eu ouvi).
Nem por isso se abstiveram de "analisar".
Só um exemplo, um conselho e uma advertência foram considerados.
E dos retalhos se fez uma leitura enviesada.
Se fossem submetidos ao PISA, a classificação do país seria pior do que a que tem sido.
Disseram que o MEC distribuiu um livro que ensina a falar errado; que defende o erro; que alimenta o preconceito contra os que falam certo.
Mas o que diz o capítulo?
a) que há diferenças entre língua falada e escrita. É só um fato óbvio. Quem não acredita pode ouvir os próprios críticos do livro em suas intervenções, que estão nos sites (não é uma crítica: eles abonaram a constatação do livro);
b) que cada variedade da língua segue regras diferentes das de outra variedade. O que também é óbvio. Qualquer um pode perceber que os livro, as casa, as garrafa seguem uma regra, um padrão. São regulares: plural marcado só no primeiro elemento. Consta-se ouvindo ou olhando, como se constata que tucanos têm bico desproporcional. Ninguém diz que está errado; todos os tucanos têm bico igual, é seu bico regular, seu bico "certo";
c) que há diferenças entre língua falada e escrita, que não se restringem à gramática, mas atingem a organização do texto (um teste é gravar sua fala, e transcrever; quem pensa que fala como escreve leva sustos);
d) que na fala e na escrita há níveis diferentes: não se escreve nem se fala da mesma maneira com amigos e com autoridades (William Bonner acaba de dizer "vamo lá sortiá a próxima cidade". Houve outros dados notáveis nos estúdios: "onde fica as leis da concordância?" e "a língua é onde nos une"...);
e) deve-se aprender as formas cultas da língua: todo o capítulo insiste na tese (é bem conservador!) e todos os exercícios pedem a conversão de formas faladas ou informais em formas escritas e formais.
O que mais se pode querer de um livro didático? Então, por que a celeuma?
Tentarei compreender. Foram três as passagens do texto que causaram a reação. O restante não foi comentado.
Uma questão refere-se ao conceito de regra: quem acha que gramática quer dizer gramática normativa toma o conceito de regra como lei e o de lei como ordem: deve-se falar / escrever assim ou assado; as outras formas são erradas. Mas o conceito de regra / lei, nas ciências (em lingüística, no caso), tem outro sentido: refere-se à regularidade (matéria atrai matéria, verbos novos são da primeira conjugação etc.). Os livro segue uma regra. E uma gramática é conjunto de regras, também descritivas.
Outro problema foi responder "pode" à pergunta se se pode dizer os livro. "Pode" significa possibilidade (pode chover), mas também autorização (pode comer buchada). No livro, "pode" está entre possibilidade e autorização. Foi esta a interpretação que gerou as reações. Além disso, comentaristas leram "pode" como "deve". E disseram que o livro ensina errado, que o errado agora é certo (a tese ganhou a defesa de José Sarney!).
A terceira passagem atacada foi a advertência de que quem diz os livro pode ser vítima de preconceito. Achou-se que não há preconceito linguístico. Mas a celeuma mostra que há, e está vivíssimo. Uma prova foi a associação da variedade popular ao risco do fim da comunicação. Li que o português "correto" é efeito da evolução (pobre Darwin!). Ouvi que a escrita (!) separa os homens dos animais!
Esse discurso quer dizer que "eles" não pensam direito. O curioso é que os comentaristas são todos letrados, falam várias línguas. Mas não se dão conta de que um inglês diz THE BOOKS, e que a falta de um plural não constitui problema; que um francês diz LE LIVR(e), para les livres, e que a falta dos "ss" não impede a veiculação do sentido "mais de um".
Mas pior que a negação do preconceito foi a leitura segundo a qual o livro estimula o preconceito contra os que falam ''certo'', discurso digno de Bolsonaro, embora em outro domínio: foi o nobre deputado que entendeu a defesa dos homossexuais como um ataque aos heterossexuais. Um gênio da hermenêutica!
Mas há um problema ainda mais grave do que todos esses. De fato, ele é sua origem. Eles não defendem a gramática. Nossos "intelectuais" não conhecem gramáticas. Nunca as leram inteiras, incluindo as notas e citações, e considerando as discordâncias entre elas (acham que as adjetivas explicativas "vêm" entre vírgulas!). Eles conhecem manuais do tipo "não erre" (da redação etc.), que são úteis (tenho vários, para usar, mas também para rir um pouco) como ferramentas de trabalho em certos ambientes, em especial para defensores da norma culta que não a dominam.
Mas o suprassumo foi a insinuação de que o livro seria a defesa da fala "errada" de Lula. Ora, este tipo de estudo se faz há pelo menos 250 anos, desde as gramáticas históricas. Alguns acharam que estas posições são de esquerda. Não são! Os "esquerdistas" detestam os estudos variacionistas. Consideram-nos funcionalistas, vale dizer, burgueses. Por que defendê-los, então?
Porque permitem que os estudos de língua cheguem pelo menos à época baconiana (Bacon é o nome do autor do Novum Organon, um cara do século XVI. Não é toucinho defumado).
SÍRIO POSSENTI É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA / INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM DA UNICAMP E AUTOR DE QUESTÕES PARA ANALISTAS DE DISCURSO E A LÍNGUA NA MÍDIA (PARÁBOLA)
terça-feira, 17 de maio de 2011
Seminário X - Dois modos de regular a infância e as políticas de educação infantil no Brasil.
Profª. Dra. Zelia Granja Porto
Local: Sala Prof. Manoel Correia 3º Andar - CFCH
Data: 30/05/2011
Horário: 18:50 - 20:30
Leitura Indicada:
PORTO, Zélia Granja. Administração Social da Criança: Políticas Transnacionais d Políticas Nacionais de Educação Infantil. GT: Educação de Crianças de 0 a 6 anos / n.07. UFPE.
Local: Sala Prof. Manoel Correia 3º Andar - CFCH
Data: 30/05/2011
Horário: 18:50 - 20:30
Leitura Indicada:
PORTO, Zélia Granja. Administração Social da Criança: Políticas Transnacionais d Políticas Nacionais de Educação Infantil. GT: Educação de Crianças de 0 a 6 anos / n.07. UFPE.
Seminário IX - Pós-colonialidade e Educação
Prof. Dr. Paulo Henrique Martins
Local: Sala Prof. Manoel Correia 3º Andar - CFCH
Data: 23/05/2011
Horário: 18:50 - 20:30
Leituras Indicadas:
FIXOT, Anne-Marie. Educação, cidade e democracia. In_ Revista Cronos. Volume 03. Número 02. 2002
MARTINS, Paulo Henrique. Educação, cidadania e emancipação_explorando as teses anti-utilitaristas de Anne-Marie Fixot. In_ Revista Cronos. Volume 03. Número 02. 2002
Tempos de aprendizagem, identidade cidadã e organização da educação escolar em cilcos. Prefeitura do Recife. 2003
Local: Sala Prof. Manoel Correia 3º Andar - CFCH
Data: 23/05/2011
Horário: 18:50 - 20:30
Leituras Indicadas:
FIXOT, Anne-Marie. Educação, cidade e democracia. In_ Revista Cronos. Volume 03. Número 02. 2002
MARTINS, Paulo Henrique. Educação, cidadania e emancipação_explorando as teses anti-utilitaristas de Anne-Marie Fixot. In_ Revista Cronos. Volume 03. Número 02. 2002
Tempos de aprendizagem, identidade cidadã e organização da educação escolar em cilcos. Prefeitura do Recife. 2003
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